sexta-feira, 9 de novembro de 2018




Ele chegou pesaroso, mas doce, e disse estar indo embora. Para surpresa dele, e minha, nada fiz senão lhe dar um beijo e lhe desejar uma vida plena e feliz. Ele... ficou sem palavras. Os olhos cheios de lágrimas. Eu... sorri carinhosamente.
Antes, quando pensava remotamente que isso pudesse acontecer, supunha querer morrer, que a dor fosse tão imensa que não aguentaria. Não foi. Não houve dor.
Ele esvazia as gavetas. Eu o olhava como quem observa um rito de passagem. O meu e o dele. A cada peça guardada na mala, lembranças ruins, momentos terríveis, mágoas antigas iam-se como folhas lançadas ao vento.
Despedimo-nos à porta, como era feito todos os dias. Continuei a olhá-lo enquanto se dirigia para o carro. Não sei de onde nascia tanto carinho e doçura. Na verdade sabia. Tivemos uma vida boa. Cheia de amor, atenção, cuidado, desejo, descobertas. Talvez não tenhamos sabido lidar com isso.
Ao atravessar o portão, virou-se para trás. E chorou. Chorou como chuva derradeira.
Eu sorri ternamente. Ele ia. Eu ficava. Feliz e com a sensação de dever cumprido, de dever amado, de vê-lo crescendo, para ser sozinho, para ser inteiro, para ser também feliz.



Luciana Gomes

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